Adicta
Fecho os olhos e tento pensar no tempo em que eu não tinha vícios e me choco ao constatar que minha última memória desse tempo sem dependências físicas ou psicológicas foi na tenra idade de 5 anos, meses antes de aprender a ler e me viciar no mundo livros.
Lembro-me daquela sensação, da ansiedade, do desejo, da necessidade e do vazio da falta, que no caso, de passar pelos corredores da biblioteca e me perder num mundo paralelo dentro das páginas, lá dentro eu podia ser o que quisesse e enfrentar outros demônios distintos dos meus próprios. Eu vivi mil vidas que não me pertenceram e ainda assim fizeram/fazem tão parte mim.
Anos mais tarde eu me viciaria nas melodias de canções, logo após ganhar meu primeiro rádio. Eu ansiava pelos programas que tocavam músicas sintonizando minhas emoções, mesmo quando era uma imaginação de sentimentos que eu ainda viria a sentir muito depois, eu ouvia e cantava como religião, eu sentia como premonição e aprendi a escrever as minhas próprias com o que eu acreditava ser o coração...
Já me viciei á lugares, hábitos, comidas, pessoas e vários tipos de sentidos entorpecessem a minha essência, que tornassem as coisas mais fáceis, que colocassem um sentido aos dias, trouxessem aquele frio na barriga de espera, de antecipação (que é quase tão bom quanto a própria coisa em si), os 5 segundos do salto de fé em algo ou alguém que por mais que possamos tentar prever nunca saberemos a real proporção do resultado até que seja tátil...
Ainda que cada época me traga um vício novo, eu ainda tenho muitas recaídas com os livros, com a música, com a lembrança das pessoas que se foram, com os muitos entorpecentes de minha vida. Eles não perderam o espaço que um dia ocuparam, eu apenas havia adicionado mais vícios á prateleira pra suprir os vazios que eu acreditei por muito tempo precisar preencher.
Como uma criança com um brinquedo novo, o vício mais recente é sempre o mais usado até se tornar comum juntamente com todos os outros brinquedos... mas toda criança tem um brinquedo favorito que abriria mão de todos os outros por ele...
É... isso também muda com o tempo... Quantas coisas juramos precisar e não precisamos? E quantas coisas achamos dispensáveis e com o tempo a abstinência nos enlouquece? E quantos (raros) vícios que sempre soubemos a precisão exata que o vazio deixaria...?
O problema dos vícios é que nunca nos livramos deles completamente, apenas substituímos por algo que continue sanando aquela necessidade de ter/ser o que nunca temos/somos...
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